O ENIGMA TESTAMENTAL
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O ENIGMA TESTAMENTAL
O ENIGMA TESTAMENTAL
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O Enigma Testamental

...O Corvette 63 Split Window Sport Coupê, deixo para meu filho mais velho Aldo Juan, mais maduro, reservado e cuidadoso, por certo saberá aprecia-lo e conservá-lo. Os Australes que estão guardados num Banco de Buenos Aires bem como as ações ao portado; deixo para Miguel, que cheio de idéias e inovações, vai saber muito bem aonde investir o que lhe é de direito. Já para meu filho mais novo Pablito, a relíquia que lhe deixo é bem a cara e o espírito aventureiro desse meu caçula querido. Trata-se da Harley Davidson 1200cc, juntamente com recomendações de muita prudência e precaução, por se tratar de máquina possante e perigosa. E finalmente para a doce Encarnacion, minha adorável esposa; deixo a casa, a estância e as vacas de leite. Com a aposentadoria e o dinheiro oriundo da pecuária, poderá viver decentemente até o fim de seus dias. Por fim, o meu “tesouro” deixo para...

O orador, com seu olhar austero e voz soturna, foi obrigado a interromper a leitura do testamento, dado ao burburinho que se formou na ante-sala, onde estava reunido o quarteto familiar, mais o advogado e o tabelião. Este último proferia a leitura oficial do ato solene em que o falecido, no uso de suas atribuições legais, fazia valer sua derradeira vontade.
O inevitável alvoroço, não era pra menos. A terminologia “tesouro” gerou nos herdeiros legais ali presentes, uma agitação desmedida, em função da peculiaridade singular da “boa nova” adveniente.
As lágrimas de desgosto pela perda irreparável do patriarca morto fizeram do defunto, um esquecido, olvidado que foi deveras, diante da notícia fascinante da existência, até então não sabida, do fabuloso tesouro.
Diante da boa nova então revelada, os olhos dos herdeiros, ainda úmidos do pranto incontido, foram inesperadamente tomados de um brilho ousado, cumpliciado por um palpitar frenético e ambicioso no imo do peito.
Dona Encarnacion, muito mais moderada, não escondeu seu pasmo diante do desrespeito à memória do enterrado. Para encerrar de vez aquele bulício, teve que intervir enérgica, realçando ainda mais as rugas características de sua face fustigada pelo tempo. Só assim a oratória testamental pôde ser continuada e concluída.

...Meu tesouro deixo para meus filhos queridos, em forma de uma charada. Aquele que a decifrar primeiro, por certo encontrará as duas partes da minha mais valiosa herança. Quem o possuir primeiro, dele será o legitimo e único dono, não cabendo contra, nenhum recurso apelativo. Esta é a minha vontade e dela dou fé, Rosário, Província de Santa Fé, dezembro de 1986... Etc., etc., e tal...

Então, o tabelião orador tomou de um envelope. Era antigo e meio amarelado, trazia um pequeno selo com um carimbo mudo no lado superior direito. No sobrescrito umas garatujas quase indecifráveis, escritas por certo com as velhas canetas-tinteiro, denunciando a Antigüidade da peça.
Aberto o envelope, retirou-se deste, um papel comum, onde estava escrito com letras garrafais e uma caligrafia primorosa: “CHARADA”. Em seguida e com letra menor, a dita cuja charada, propriamente anunciada, nos seguintes termos:

“Três na copa do pinheiro”.

Cada qual dos três herdeiros fez uma careta de desagrado tão cômica, que dona Encarnacion só não desabou em gargalhadas, devido ao respeito profundo que tinha pelo falecido a lhe oprimir impiedosamente o peito enlutado.
Mais que depressa, puseram-se a meditar os três irmãos entesourados, herdeiros testamentários, com a mais profunda veemência sobre a enigmática charada. Cada qual se isolando em um canto qualquer e exigindo potencial máximo de seus cérebros, ávidos por uma fortuna fabulosa.
A primeira idéia aprazível que surgiu, foi de Aldo Juan, com efeito, o mais sensato do trio de mesma herança uterina. Este imaginou que a vontade do saudoso genitor, era a de testar o amor e a união dos irmãos. Sendo assim, Três, significaria os três irmãos, e que, portanto deveriam se unir para mais facilmente decifrar e encontrar o cobiçado tesouro.
No fundo ninguém queria dividir o tesouro, mas antes um punhado de moedas de ouro na mão, que um baú inteiro no fundo do mar. Pensando nisso, fizeram um pacto de união irmanados no mesmo objetivo, que por certo orgulharia por demais o velho Martinez, agora saudoso.
Pablito então se lembrou do velho pinheiro, árvore encantadora que o pai de família, agora ausente, trouxera do Paraná, província brasileira, à mais de vinte anos. A Araucária se adaptou muito bem em terras Argentinas, nas cercanias de Rosário, bem na entrada da estância, aonde foi plantado o aludido pinheiro paranaense.
Apesar do adiantado da hora matutina, partiram então os três irmãos cheios de esperança, em direção ao rancho-del-oro, como era chamada a propriedade rural da família Martinez, agora sob o domínio de dona Encarnacion, a matriarca. Esta, aliás, a protestar impetuosamente, contra a decisão dos filhos, segundo ela precipitada, tendo em vista já estar com o almoço à mesa. Mas qual o quê, em vão relutou a matrona.
Não obstante os quase cinqüenta quilômetros de distancia, eles não demoraram muito a chegar, dada à esperança ardente que pulsava com veemência nas entranhas daqueles simpáticos solteirões distintos, inebriados nos mais alvissareiros sonhos de uma boa vida na alta burguesia.
Mesmo tendo sido Pablito, o primeiro a chegar, roncando o motor de sua Harley Davidson; a procura só se iniciou pouco depois, com a chegada de Aldo Juan e Miguel, ambos no Corvette, um verdadeiro tesouro sobre quatro rodas com seu motor V8.
Primeiramente conjeturam sobre o tema: Já que a charada dizia, “três na copa do pinheiro”, ora, o mais óbvio, é que algo estaria de fato na copa da árvore da família das Araucariáceas. Mas não poderia ser um baú cheio de ouro, pois de longe seria visto. Então quem sabe lá no alto da Angustifolia brasileira, não estivesse outra pista. Não era de duvidar, já que o falecido era amante inveterado dos enigmas de linguajem obscura. Sendo assim, Subiram os três, um a um, até a ramagem superior e convexa da araucária. Esfolaram-se, arranharam-se, sofreram e foram picados por abelhas, formigas e outros insetos mais. Nada, contudo foi capaz de subjugar a ambição desmedida dos irmãos agraciados pela fortuna misteriosa.
Contudo, e não obstante o ânimo e a coragem desmedida daqueles devaneadores, debalde foram seus esforços destemidos naquela escalada íngreme. Não havia nada. Nem tesouro, nem ouro, nem pista de modo nenhum. Nada, absolutamente nada.
Um desalento profundo e generalizado se abateu sobre eles. Com efeito, aquilo tudo talvez fosse uma piada, uma brincadeira, afinal ninguém nunca soube da existência de tesouro algum, e a família sempre foi unida e transparente quanto à clareza dos negócios e aos bens que possuíam em comum.
Depois do esforço laborioso e da desilusão humilhante, a descida foi ainda mais penosa. Chegaram ao solo, tomados por escoriações e roupas rasgadas. Estavam extremamente famintos. Desenxabidos, fizeram menção de voltar pra casa, afinal, já eram três horas da tarde, lembrou Pablito, ao examinar seu relógio de pulso, cuja pulseira arrebentara em seu retorno descendente. Foi então que Miguel, tal qual uma gazela Africana, saltou nos ares com um grito entusiástico e cheio de emoção. Acabara de decifrar a charada...
“Três na copa do pinheiro”, significava, “três horas da tarde na copa do pinheiro”, ou seja, aonde o sol projeta a sombra da copa do pinheiro. Na verdade, o tesouro não estava “no” pinheiro, obviamente, mas sim, enterrado, bem ali na entrada da fazenda, onde se projeta majestosa a sombra vasta daquela planta oriunda da América do sul.
Com animo redobrado e uma esperança deveras avivada, logo vasculharam nos arredores, até encontrarem nos fundos de um velho casebre abandonado, uma antiga pá, já açoitada pela ação da ferrugem, mas ainda em condições de uso.
Tomados por um Entusiasmo contagiante, puseram-se a cavar com um frenesi desvairado. Sujos, transpirando e exaustos, finalmente encontraram um pequeno baú de folha metálica, incrustado de terra. Na verdade um bauzinho, cuja aparência não dava ares de esconder um grande tesouro.
Com a rapidez do tufão, os três irmãos, num consórcio singular, aplicaram terríveis bordoadas sobre um rústico ferrolho que mantinha trancada a portinhola do menudo baú, até arrebentarem grotescamente o velho cadeado já enferrujado. Finalmente, com os corações ameaçando saltarem pela boca, puderam enfim, abrir aquele caixote de tampa convexa.
Surpresa. Oh, descompassada surpresa. Que moedas, que ouro, que nada... Havia um álbum. Um simplório álbum que o trio de mesmo sangue, ainda que perplexo e com certo desapontamento, tomaram logo nas mãos ainda sujas de terra, e o examinaram convulsivamente, para tristeza geral.
Era apenas uma pequena coleção de selos. Na primeira parte se lia:

“Sellos de Los Países Latino-americanos”.

Seguia-se a isso, um subtítulo denominado:

“História postal del América Latina”.

Ali estavam, logo na primeira página, os três primeiros selos do Continente Americano, os Brasileiros “Olhos-de-boi”, de primeiro de agosto de 1843, (30, 60 e 90 Réis), criativamente distribuídos na transversal.
Nas páginas seguintes, uma abundância de antigos selos da terra do pau Brasil, de fazer inveja a qualquer museu filatélico. Ali estavam os inclinados de 1844, os verticais, também chamados Olhos-de-Cabra de 1850 e os Coloridos Olhos-de-Gato de 1854/61, constituindo um complexo harmônico invejável.
Na seqüência, um conjunto dos três primeiros selos de todos os países da América do Sul (“Yvert, 1, 2 e 3”), (exceto Brasil e Argentina), graciosamente ordenados. Eram selos com margens perfeitas, poucos obliterados e muitos no estado. Os selos estavam dispostos com imensa maestria, constituindo assim um conjunto impar capaz, de causar cobiça até mesmo num leigo, tal era a originalidade peculiar daquele colecionador.
A segunda parte da coleção dizia: “La história Postal Argentina”, e seguia-se uma