PATACÃO E PAPAGAIO
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PATACÃO E PAPAGAIO
PATACÃO E PAPAGAIO
R$ 0,01
PATACÃO E PAPAGAIO

-Pontal do Pirapó, município de Lupionzinho - Pr. / Dezembro de 1943-

...Dona Maria Risoleta, uma das herdeiras, voltou para casa, com sua parte dentro de uma sacola muito bem amarrada. Adentrou ao casebre, um ranchinho rústico, onde morava com o Marido e dois filhos, Argemiro e Genésio.
Apesar do cruzeiro, já estar em circulação, havia naquele alforje notas de 200$000, e 500$000, ambas com carimbo em rosácea. Além dessas, pacotes de notas de CR$ 1.000,00, CR$ 500,00, CR$ 200,00 e CR$ 100,00. Peças azuladas, (1ª estampa ABN). Dona Risoleta, sabendo das qualidades muquiranas e rígidas do Marido, o tal João Patacão, tratou de lhe entregar mais que depressa, a invejável herança.
Ora, ocorre que o tal indivíduo que viveu a miséria em sua infância, tornou-se um sovina, autoritário e desconfiado. Este cidadão, firme em sua convicção de não se arriscar com ninguém, não se fiava nem mesmo nas casas bancárias de Lupionzinho (hoje Itaguajé). Sendo assim, e preocupado com a segurança daquela ventura em forma de papel moeda, tratou logo de providenciar um esconderijo. Tomou de uma botija de barro velha e empoeirada que havia num paiol, enfiou o dinheiro dentro, colocou a tampa, também de barro, e saiu sorrateiramente, matutando um lugar para enterrar seus haveres.
No fatalismo inevitável dos acontecimentos do destino, eis que surge uma figura singular, impar, verde e alada. Um Papagaio. A tal ave psitaciforme, criada com muito zelo por João Patacão, teve um adestramento peculiar, e repetia com muita propriedade, várias palavras do cotidiano daquela prole caipira. O fato é que, tal qual seu João, o louro também tinha lá seus caprichos. Um deles era voar todos os dias até uma bela seringueira que havia já nos limites da chácara de seu dono. Pois foi ali mesmo, bem no pé da altiva Hevea brasiliensis, que nosso afortunado João, o tal Patacão, fez questão de enterrar a botija. Um local bem camuflado e que só ele sabia. Outro fato é que, seu João Patacão, tinha um vizinho já de muitos anos, o compadre Orotilde. Este por sua vez, endividado, estava partindo para o interior Paulista, onde tinha alguns parentes.
Seu Orotilde por ali passou para se despedir, poucos dias depois do enterro da riqueza. Este retirante, ainda que mantivesse o firme propósito de reerguer-se, não era tão obcecado por sua recuperação, quanto era pelo Louro Vitório, o Papagaio de seu João Patacão, não obstante tivesse igual, porém mudo. Aproveitando da visita, o velhaco Orotilde levou numa gaiola, o seu louro, com a desculpa de pedir orientação de adestramento da fala da ave. O homem dos 960 réis, ainda lhe deu algumas dicas. Mas o pérfido Orotilde, aproveitou de um momento de distração do compadre, e com algumas frutas, atraiu o Papagaio falante e fez a troca na gaiola. Partiu de mudança na madrugada seguinte.
Nessa mesma noite, entretanto, João Patacão, que em sua inocência, não percebeu a infame permutação, teve um derrame e enquanto agonizava, confidenciou ao primogênito, sobre a herança amoitada
“-... Siga o papagaio...”
Após o enterro do velho, a família enlutada partiu à caça da herança. E que caça!!! Ainda que o primogênito Argemiro tenha logo dado a notícia de que o dinheiro, estaria enterrado no pé de uma árvore aonde o louro gostava de ir, ninguém sabia da preferência da ave pela seringueira, exceto o finado. Também, dentre eles, ninguém percebeu a troca, e apesar de notarem a mudez do bípede, creram ser de tristeza, por causa da morte de seu dono. E assim começou a hilariante caçada. Em cada árvore que o papagaio pousava, os herdeiros faziam uma buraqueira ao redor da mesma. Mas qual o que, coisa do destino engenhoso, o papagaio pousava em tudo quanto era árvore, menos na seringueira. Os buracos se proliferavam por toda região. Eles mais se pareciam com tatus alucinados. Mas nada do dinheiro enterrado. Desse modo os meses foram passando, enquanto se avolumavam as duvidas sobre as últimas palavras do finado Patacão.
Compadre Orotilde, só ficou sabendo do falecimento do seu ex-vizinho e da hilariante façanha dos tatus-humanos, cerca de oito meses depois, quando dona Risoleta enviou uma carta à Comadre Maria, a patroa. Como a situação para seu Orotilde, estivesse cada vez mais negra, ele logo vislumbrou um golpe, afinal, só ele sabia a verdadeira história dos papagaios trocados. Assim, chegou ele dois dias depois na chácara do compadre falecido, levando de lado, uma gaiola com o louro Vitório e uma esperança mesquinha no fundo da alma. Foi recebido por dona Risoleta e os dois órfãos. O papagaio por sua vez, ao ver seus verdadeiros donos, logo se pôs a falar entusiasticamente. Tal cena causou embaraço no compadre caloteiro, que justificou, dizendo que o compadre, quando vivo, lhe ensinou a adestrar papagaios. E tratou logo de mudar o rumo da prosa.
Mais tarde, saiu Orotilde, com a desculpa esfarrapada de que levaria seu papagaio para visitar a ex-propriedade. No trajeto, meteu-se pelo meio de um milharal, voltando pelos fundos à chácara de seu falecido compadre e acoitando-se na pequena floresta do Manezinho da Mata. Lá soltou o papagaio e ficou observando. A Ave verde mais que depressa, foi ao encontro da seringueira, não muito longe dali.
Nessa mesma noite, seu Orotilde, que se hospedara na casa da vítima, retornou com o papagaio, para se recolher ao descanso noturno. Por volta da meia noite, levantou-se sorrateiramente, e partiu na escuridão da noite, em direção à árvore da borracha, onde já tinha deixado uma pá escondida. Cavou por mais de uma hora, e quando já estava mais que exausto, a pá tocou em algo que fez um barulho oco. Era a tampa da botija, que se rachou. Antes, porém, que retirasse dali a fortuna, ouviu uma voz soturna e tenebrosa...
“- Compadre Orotilde,... seu traidor... mentiroso...”
Apavorado, viu sair de detrás da seringueira, naquela noite escura, um vulto de branco e pálido como o papel, que julgou ser a alma do compadre falecido.
“- Você me enganou, compadre Orotilde... Agora eu vou te levar...”
Aterrorizado, com os olhos arregalados diante da aparição da morte, o ordinário patife, partiu em disparada, arranhando-se todo por entre uma quiçaça de arbustos espinhentos e cercas de arame farpado.
Argemiro, por sua vez, ao vê-lo partir desatinado, desenrolou-se do lençol branco que usara, e aos poucos foi tirando a farinha de trigo, do rosto e dos cabelos. Contudo, a engenhosidade do destino tal é que Argemiro temendo que o padrinho viborão , molestasse sua genitora, tapou o buraco com herança e tudo, e partiu em perseguição ao salafrário amedrontado. Tropeçou num cipó, caiu batendo com a cabeça num tronco e desmaiou. Compadre Orotilde nunca mais foi visto. Deixou para traz inclusive, o papagaio falante. Argemiro foi encontrado pelo irmão no dia seguinte. Socorrido, e sem maiores conseqüências, não teve tempo de revelar o ocorrido. Dois oficiais chegaram lhe procurando, pois, o Brasil havia entrado na guerra (2ª guerra mundial), e Argemiro que era reservista, foi convocado para servir na FEB.
Na Itália, Argemiro se encantou com Giovana uma Italiana linda, com quem se envolveu profundamente. Na tomada de Montese em 14/04/45, nosso herói sucumbe. Deixou inebriada numa tristeza medonha, sua linda amada, para quem tinha revelado a história da fortuna enterrada, através de uma carta.
Trinta anos depois, Paolo, filho de Argemiro e Giovana, é um Colecionador obstinado por coisas brasileiras. Certo dia encontrou a carta que falava do dinheiro enterrado. Vieram ao Brasil em 1975. Encontraram Tio Genésio, ainda solteiro e dona Risoleta, com mais de 70 anos, que ficou extasiada ao encontrar nora e neto. Seguindo os dizeres da carta de Argemiro, foram até o pé da seringueira gigantesca. Cavaram, e encontraram a Botija envolvida por raízes. Com muito cuidado retiraram a peça de barro intacta. Mas oh, tristeza, a tampa rachada, permitiu a entrada de umidade e fungos. Todo o dinheiro virou uma massa disforme e irrecuperável...
Paolo, ainda levou a Botija para a Itália, lá descobriu que era uma relíquia, peça indígena do tempo do descobrimento.
E o papagaio, todos os dias grita, do alto da Árvore da família das euforbiáceas, como se risse da ganância humana e suas conseqüências desventurosas.