A BOTIJA
×
A BOTIJA
A BOTIJA
R$ 0,01
A BOTIJA

O Sr. Joaquim João Fernão Dias Marçal do Monte, era, com seu nome espaçoso, um Português que em terras brasileiras adquiriu grande fortuna, já nos idos de um passado distante.
Mesmo com a invenção do dinheiro de Papel; aonde os primeiros bilhetes de banco, preenchidos à mão, foram lançados em 1810, ou mesmo o Troco de Cobre, em circulação desde 1833 na província do Ceará, (Primeiras emissões do Tesouro Nacional que foram fabricadas para serem trocadas pelas moedas falsas de cobre), este nosso peculiar Portuga, acreditava mesmo era nas moedas de ouro. Para ele, ouro era o metal que nunca perdia o valor, não estragava jamais e vencia os milênios. Isso, aliás, ele aprendeu com o pai, de quem herdou uma porção de lingotes de ouro, bem como inúmeras moedas também de ouro.
A propósito, esse seu tesouro particular, se constituía numa verdadeira fortuna. Eram notáveis barras de ouro, da Casa de Fundição do Sabará e de Vila Rica, além de outras casas de Fundição, como a Casa de Fundição de Cerro Frio, do Rio das Mortes e de Cuiabá. As moedas, por sua vez, eram de 12$800 Réis (Escudo Itálico 1731-1750), 6$400 Réis, diversas épocas, sem contar alguns Dobrões da casa da Moeda de Vila Rica, de 10$000 e 20$000 Réis, (Letra monetária M). Havia ainda enorme quantidade de moedinhas de 400 e 800 réis de eras as mais variadas. Por fim, pelo menos uma dúzia de moedas obsidionais, as primeiras moedas fabricadas no Brasil, em 1645, durante o domínio holandês no nordeste brasileiro. Também chamadas de moedas de emergência, tinham a marca da Companhia de Comércio das Índias Ocidentais. Eram moedas quadradas de XII – VI e III Florins (1645/1646). Todas essas peças, o velho lusitano, “o pai”, que mais parecia um turco, havia recebido em pagamento, em suas andanças pelo interior do Brasil, explorando os sertanejos ingênuos e desavisados, com suas negociatas isentas de remorso.
Ora pois, o Português Joaquim Fernão et cetera e tal, “o lusitano filho”, que também seguiu os paços do pai; além da recebida herança supra citada, conquistou ainda outras tantas, mascateando e logrando os caipiras interioranos do nosso Brasil Varonil. Com isso, em fins da década de trinta, quando já se encontrava velho e bastante debilitado fisicamente, tinha centenas de peças de ouro, uma fortuna inigualável.
Nessa ocasião, nosso herói europeu preocupado em defender sua riqueza de possíveis larápios bandoleiros, encerra todas essas peças de ouro, dentro de uma belíssima botija confeccionada em Cerâmica. Com muito sacrifício, carrega o pesado e resistente pote de barro, cheio de moedas e lingotes de ouro, até uma pequena clareira no meio da mata, nas terras onde morava, nos arrabaldes do vilarejo de Lupionzinho (hoje Itaguajé).
Lá, com o peso da idade a lhe exaurir as forças, ele cavou laboriosamente um buraco. Revolveu ali aquela terra vermelha e fértil, e no buraco, encerrou a Botija cheia de ouro. Por fim, plantou uma figueira bem perto dali, para marcar o local.
Pobre coitado; morreu alguns anos mais tarde, sem desfrutar de sua fortuna, já que suas características de sovina inveterado, lhe constituíram num pão duro fabuloso. Sua ganância tal era que mesmo agonizando, não revelou a ninguém o paradeiro de seu tesouro enterrado. Na verdade, achava que não iria morrer, e mesmo que morresse: “-O que é meu, é meu, e de mais ninguém”- pensava ele.
Por volta de 1969, quando Lupionzinho, rebatizado de Itaguajé, já era município emancipado e em franco desenvolvimento, uma estrada nova foi construída, em cujo trajeto continha uma curva que passava bem ao lado da figueira do finado Português, o tal Joaquim-lá-vai-nome. Figueira esta, que cresceu imponente esticando seus galhos majestosos em direção ao infinito.
Muitos pescadores da cidade passaram a usar a tal estrada como caminho para o rio Paranapanema, aonde tinham girais, cevas e lugares próprios para a pesca noturna.
Certa madrugada, quando seu Tenório Peixeiro, antigo Pescador da cidade da Pedra retornava cansado, de uma pescaria infrutífera, foi surpreendido, ao transitar na curva da figueira, por uma visão assombrosa. Viu surgir subitamente, bem no tronco do vegetal lenhoso, uma luz brilhante, espalhando seus lampejos pela escuridão noturna. A Luz subia e descia e dava voltas ao redor do tronco da árvore da família das moráceas. Seu Tenório, a vítima primeira, tremendo de medo dos pés à cabeça, pôs-se a correr desesperadamente, numa fuga cheia de tropeços e por demais hilariante.
Assombrações à parte, ora pois, logo depois do dito cujo caso acontecido; muitos outros disseram ter visto a tal luz, a tocha, como ficou batizada a aparição inusitada. Com isso, o local passou a ter a fama de mal assombrado. Tanto que, em função do medo generalizado que tinham os pescadores, e demais transeuntes; da tal bola luminosa desconhecida, construíram nas proximidades, um atalho, evitando assim passarem perto da tal figueira mal assombrada.
E assim foi por quase duas décadas, até meados de 1988, quando chegou em Itaguajé, um cidadão forasteiro. Este sujeito estereotipado e suas atitudes singulares; instalou-se nas terras rochas da antiga redução Jesuíta de Nossa Senhora do Loreto, a humilde cidade de Itaguajé. O tal indivíduo, popularmente conhecido por Mané Manco, também carregava o alcunho sugestivo de Mané do Cavalo.
Mané Manco, porque era coxo e mancava da destra. Já Mané do cavalo, era uma conseqüência do problema manquitolo, que quase lhe impedia de caminhar, obrigando-o a locomover-se em montaria. Por fim, e à guisa de informação, este pitoresco cidadão, o tal Manoel, o Manco, trouxe consigo uma legião de histórias de proezas, coragem e valentia. Apesar de sua debilidade física, o tal era metido a baguá .
O sucedido fato verídico é que, Mané Manco, quando soube da lenda da luz bruxuleante do tronco da figueira, tratou logo de desafiar o oculto e foi lá, na árvore do gênero Fícus, em noite escura e bem à meia noite, cogitando ver de perto a tal assombração luminosa, que pretendia afrontar, com sua valentia heróica. Mas qual o que, nem luz, tocha, vela ou Lamparina. Escuridão total. O coxo, só fez mesmo foi perder seu tempo.
Apesar da decepção, Mané Manco, só por deboche, de vez em quando passava pelo tal lugar sinistro e sempre à altas horas da noite, destemido e desafiando os poderes sobrenaturais do fantasma da curva.
Nunca viu nada, até aquela noite fatídica. Era uma sexta-feira Santa, já no ano de 1989. Noite de se construir Judas para malhação e ocasião que certas pessoas endiabradas, costumam roubar galinhas dos sertanejos devotos.
Nosso manquitó intrépido, vinha em montaria, de uma reza. O terço de novena tinha acontecido justamente lá praquelas bandas, bem perto do Paranapanema, rio suntuoso, na casa de seu João Mangueira.
Noite alta e escura, ele mais uma vez fez questão de passar com seu cavalo Brioso, bem pertinho da Figueira Gigante. Fazia questão de controlar o passo do alazão, de modo a passar bem lentamente pelo local afamado.
Foi naquela noite sinistra, em meio a um silêncio tumulário , que ocorreu o fato inesperado, a tal tocha... Apareceu...
Era uma luz intensa e ofuscante, mas parecia não ter calor. Na verdade, o que Mané Manco sentiu mesmo, foi um calafrio estremecer-lhe a alma e percorrer-lhe o espinhaço, do cocuruto da cabeça até o dedão do pé. Nesse momento, o pretenso Corajoso, o tal Mané, o Bravo Manco, arrependeu-se amargamente de ter duvidado. Já tomado pelo pânico, o valentão capenga, chicoteou seu eqüino inocente que, assustado como também estava com a aparição apavorante, empinou relinchando e corcoveou com furor, derrubando o cavaleiro coxo, que desabou espalhafatoso feito um saco de batatas, naquele solo firme de terra boa.
Meio atordoado e sem poder correr, pois era pencó , se viu cara a cara com a tocha. A Luz apavorante foi se aproximando... Aproximando... Aproximando... Crescendo... E... Crescendo... Até que de dentro dela, ecoou uma voz tenebrosa, singularizada por um sofrimento doloroso. Logo em seguida, apareceu o finado português, o tal Joaquim de nome comprido.
Deixando transparecer uma dor angustiante, a alma do luso, disse por fim que tinha uma fortuna enterrada bem ali, ao lado da figueira enorme, e que ele, o falecido, estava sofrendo por demais, em função daquela riqueza soterrada, e só poderia descansar, quando alguém a encontrasse, desenterrasse e fizesse uso daquela vasta fortuna, que sob a terra, não tinha utilidade nenhuma.
Seria enfim, uma caridade ao lusitano à muito morrido, que só então poderia descansar em paz.
No dia seguinte, “de dia”, Mané Manco, voltou ao local. Cavou copiosamente aonde havia determinado o defunto falante, e por fim desenterrou uma botija cheia de ouro. Um tesouro fabuloso, composto de peças antigas e de notável valor histórico.
Dinheirista como ele só, nem se deu ao luxo de examinar os objetos preciosos que compunham aquele acervo fantástico. Mais que depressa, correu logo até o Ourives da cidade, o Sr. Orosimbo Aranha, e ali mesmo vendeu tudo a peso de ouro.
Pegou uma dinheirama considerável, e partiu em viagem para se divertir, com seus pacotes de cruzados novos, dinheirada que conseguira facilmente, por obra e intervenção do além.
Duas semanas depois, seu Manoel o perneta, volta desesperado juntamente com seu genro, um numismata de Curitiba, ansiosos por desfazerem o negócio. Com efeito, por informação e conhecimento de seu parente numulário, tinha ele, o capenga Mané, descoberto que as peças outrora negociadas, tinham valor histórico e valiam incrivelmente mais que o seu peso em ouro, conforme havia negociado dias antes.
Infelizmente, seu Aranha, o tal Orosimbo Ourives, com seu bigodão grisalho e cara de desentendido, lamentou dizer que já tinha derretido todo o ouro, mostrando inclusive sobre uma mesinha escura de pátina, algumas pequenas e rústicas barras retangulares de ouro, bem como outras jóias em processo de acabamento,
Desenxabido, Mané Manco foi embora, juntamen