O TESOURO
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O TESOURO

Nas peripécias do cotidiano, nada mais hilariante que o pitoresco causo do tesouro do seu Manezinho da Mata.

Contam os moradores de Itaguajé, entre gracejos e gargalhadas, que nos idos de um passado longínquo, que lá se vão; Manezinho, no uso de sua idade moça, mas não tão moça assim, recebeu de seu genitor, herança valiosa em forma de imensa fazenda lá pras bandas das Gerais. Por lá fixou residência, com sua senhora e os dois herdeiros pirralhos. Todavia, naqueles tempos a perder de vista, a patroa sua senhora, adquiriu moléstia grave, que não houve doutor, remédio, benzimento ou mandinga que desse jeito. Pobrezinha; desencarnou magrela feita pau-de-virar-tripa , para desespero de seu Manezinho e filhos.

Desatinado, o patriarca daquela diminuta estirpe vendeu a fazenda e veio morar nas nortistas terras arroxeadas do Paraná, aonde comprou pequena propriedade de mata virgem, ainda bem antes da segunda guerra.

Com o coração em farrapos, o desiludido sofredor, banhado nas mágoas do padecimento, perdeu-se no desfruto desrespeitoso com as damas da noite. Em suas aventuras burlescas, emprenhou uma meia dezena de madames libertinas. Porém, entretanto, todavia, o fado de seu Manezinho era mesmo a solidão. As meretrizes sumiram no mundo, e os filhos cresceram e vazaram para as metrópoles, pois com o advento dos dias futuros, o chefe da prole, tornou-se ranzinza e sovina.

Entre os irmãos, apesar do matriarcado incomum, havia certo respeito e união. Eles sabiam que no passado, o pai de todos, tinha sido cidadão de muitas posses. Disso gerou-se um consenso geral, de que o tristonho Manezinho, guardava a sete chaves, um fabuloso tesouro.

Em fins dos anos setenta, tudo que seu Manezinho tinha conseguido na vida, era o cognome “Manezinho da Mata”, por causa da mata de sua singela propriedade, que teimosamente insistiu em não derrubar.

Mensalmente vinha para a cidade receber sua aposentadoria, sem jamais se desgrudar de uma valise de couro desbotada e suja, que muito bem combinava com o velhusco e sua corcunda proeminente, que mais parecia transportar, feito Atlas, o peso dos seus quase oitenta anos.

A lenda do tesouro do velhote ermitão incitou anos a fio, a curiosidade dos bisbilhoteiros de Itaguajé, com boatices das mais hilárias. Uns diziam que tinha barras de ouro; e que estavam enterradas em lugarejo secreto. Outros retrucavam que a fortuna estava aplicada no banco da cidade. Já os mais afoitos criam que carregava o tesouro em sua valise rota.

Um belo dia em plena praça pública, o velhote teve um piripaque medonho e estrebuchou retesado no largo da matriz, para espanto dos curiosos atônitos e de olhos arregalados.

Assim que soube do infortúnio do ancião da mata, o mais velhaco vigarista da cidade, o tal “Tião da Buzina”, já crescendo os olhos sobre o presumido tesouro de tanto comentado, tratou logo de encontrar meios de avisar a filharada do eremita, sobre a morte morrida do “saudoso e insubstituível Sr. Manoel, o da Mata”.

Só na tarde do dia seguinte, e instantes antes do enterro, é que se conseguiu a presença de todos os herdeiros da afortunada riqueza do falecido. A demora de alguns se deu em função da distancia de seus lares, outros porque tiveram a genial idéia, de antes passarem no banco da cidade, para falar com a gerência, sobre a possível fortuna do defunto da Mata.

Mal se cobriu o caixão com terra vermelha e já partiram os beneficiários à caça ao tesouro misterioso. A prole, que já passara da casa dos cinqüenta vividos, misturou-se com as noras e genros e mais a prole da prole, que entre tropeços e esbarros, mais parecia o estouro de uma boiada.

Na porta do cemitério, calorosa discussão se formou em torno da entesourada questã , aonde Tião da Buzina, na ânsia da comissão, fazia mais era por lenha na fogueira.

Fato: Na casa bancaria da cidade, nada se encontrou. Na valise encardida, um três oitão principiando enferrujamento e uns poucos papéis velhos, sujos, engordurados e sem valor.
Já que mais da metade dos ambiciosos herdeiros, trouxeram por precaução, pás, picaretas e enxadões, partiram em cortejo, Tião na frente, para a Mata do Manezinho, no anseio veemente de topar com o tesouro valioso. Entre cancelas de arame farpado, pinguelas e desvios, chegaram ao ranchinho do saudoso, já de noite, com os raios prateados da lua cheia. Por sugestão do Tião-olho-gordo, eles cavaram exaustivamente por todos os lados. Em vão.

Por fim, alguém se lembrou de um resto de vela benta que trazia na sacola, e com o uso das picaretas, arrebentaram a porta para escarafunchar no recinto caboclo. Não havia nada, exceto por um fogão de lenha todo esburacado. Do lado, um guarda-comida já sem portas, foi vasculhado com persistência, à luz velada de um resto de vela, mas só se encontrou comida estragada e um cheiro acre e nauseabundo. No quarto, um colchão de palha de milho foi rasgado com fúria, sob aquela tênue luz que já buscava o derradeiro fulgor. As palhas se espalharam pelo cubículo de dormir. Algumas se entrincheiravam por entre as frestas largas do soalhado.

Subitamente um dos herdeiros mais velhos, gritou entusiasmado, apontando para o soalho. Não se vislumbrava mais dúvidas, estava embaixo do assoalho. Com o ímpeto da cobiça a lhes chamejar nas veias, já iam arrebentar tudo, quando uma das noras, apontou para um cantinho escuro ocupado por um saco de feijão na munha . Alumiaram mais de perto com o toco de vela que restava, e... De fato havia um alçapão.

Puxaram o saco de feijão pro lado, que se espalhou pelo pequeno compartimento do olvidado idoso da mata. Abriram a portinhola e de fato, ali encontraram o tesouro avidamente cobiçado, em forma de um grande baú, recoberto por espessa poeira e teias de aranha. Mal tiraram o caixote de tampa convexa do seu esconderijo, e alguém impaciente meteu a picareta no cadeado antigo e enferrujado que protegia o tesouro. Descerrada a portinhola, um cheiro forte de antigüidade misturou-se sutilmente ao recinto.

Então, de olhos arregalados puderam finalmente enxergar, ainda na penumbra do que restava de vela, a herança grandiosa que lhes deixara o patriarca. Era centenas de pacotes de dinheiro em espécie, dinheiro vivo. Estavam amarrados com barbante. Não obstante, o volumoso tesouro tão bem amoitado, era de dinheiro antigo, fora de circulação, totalmente sem valor.
Pasmados diante da mais plebéia e ardilosa maquinação daquele desatinado ancião, os pobres herdeiros, ex-futuros burgueses, esquadrinharam o odioso baú, e abriram pacote por pacote, na ânsia desvairada de localizar quem sabe umazinha só, ainda em circulação. Debalde.

Alucinados, esparramaram pelo assoalho empoado, todo aquele dinheiro novinho em folha. Milhares de notas sem valor. Um tesouro perdido. Patrimônio invejável que a inflação debelara no decorrer dos anos fatais.

A turba arrasada e furiosa, logo tratou de abandonar o ambiente rançoso, praguejando sem comiseração a burrice sem tamanho daquele sovina desajuizado.
Partiram, pois sem perceberem que o restinho de vela que iluminou os sórdidos e derradeiros momentos daquela desventura, buscava ansiosamente uma pontinha de palha de milho do velho colchão despedaçado.

Enquanto a plebe desiludida afastava-se, a chama da vela finalmente alcançou a palha. Esta lentamente alimentou a limitada labareda, que ansiosamente contaminou as companheiras. Com proeminente perseverança, as chamas passaram de palha em palha, avolumando vertiginosamente a intensidade do fogo. Alcançaram as notas sem valor, as paredes e o sapé da cobertura. Tudo virou um fogaréu só, expelindo lampejos pelos confins da mata do finado Manezinho, em oposição aos raios da lua cheia.

Os ex-ricaços, mais o assecla Tião da Buzina, bem que perceberam o fogo no casebre. Todavia, exaustos e, sobretudo desiludidos, sequer fizeram menção de debelar o incêndio. No íntimo da revolta, sentiam-se de certo modo vingados, enquanto as chamas consumiam aquele tesouro sem valor, aquelas milhares de notas de 500 mil réis (1906 – 8ª estampa – caixa de Conversão), todas “FE”...