NECO BAGATELA
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NECO BAGATELA
NECO BAGATELA
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NECO BAGATELA

O Fascinante Mistério do Caso dos Santos de Pau Oco e as três faces de um surrupiar.

Nota. Somos senhores de nossas atitudes e únicos responsáveis pelas conseqüências, com efeito, só colhe amor quem o semeia.

Itaguajé é uma simpática cidade cujas origens se perdem na história, desde a passagem dos loyolistas, e a então fundação de Nossa Senhora do Loreto. Loreto foi uma redução Jesuíta ao norte do Paraná, aonde esses notáveis religiosos, catequizaram os silvícolas da nossa história. Hoje a cidade da Barragem, encravada entre os rios Pirapó e Paranapanema, progride com base na agricultura e pecuária,
Nos percalços dos acontecimentos notáveis, a cidade da pedra foi palco de acontecidos fabulosos e eletrizantes.
Certa vez, nos idos de um inolvidável pretérito, quando a urbe ainda se chamava Lupionzinho, uma viúva caridosa doou a igreja local, três anjos esculpidos em cedro. Belíssimas peças de arte barroca contemporânea, que além de seu valor artístico e cultural, tornou ainda mais belo e suave o ambiente daquela pequena igreja chamada àquela época, Matriz de Nossa Senhora do Loreto.
Para comemorar a chegada dos santos de pau oco, houve novena, procissão e quermesse. Os três anjos foram colocados um ao lado do outro numa das capelas da Igreja, com cânticos de júbilos e louvores, executados por uma multidão de fiéis felizes.
Outra senhora, também de alma caridosa e no uso de seus dotes esmolentos, colocou aos pés de cada anjo, um óbolo notável, em forma de belíssima nota azul sobre policromia de 200$000 réis, totalizando assim uma dádiva notável de 600$000 réis, que ajudaria e muito às obras assistências e de melhorias da Igreja. Eram notas novinhas em folha, que ela tirou do meio de um livro de capa marrom com detalhes dourados. As notas traziam em sua estampa, a figura de Prudente José de Moraes Barros. A série e os números estavam separados. As peças traziam ainda uma superimpressão dupla em azul com forma de rosa e com dizeres que retificavam o valor de cada uma daquelas peças, para 200,00 cruzeiros, a nova unidade monetária, implantada no país desde 1942 .
No dia seguinte, logo pela manhã, um homem que pela igreja passou para suas preces costumeiras, foi arrebatado pela beleza daquelas notas e, sobretudo pelas possibilidades. Apesar de sua boa índole de cidadão respeitável, cuja honestidade era atestada por toda população da cidade, teve ele, um fatídico momento de fraqueza e furtou as cédulas que adornavam os anjos esculpidos em cerne de madeira de lei. Sorrateiramente ia retirando-se do ambiente silencioso daquela igreja modesta, quando deu de cara com a imagem de Santo Antônio, em tamanho natural, que costumeiramente ficava quase na soleira da porta da casa santa. O bem-aventurado casamenteiro, parecia lhe fitar com uma reprovação colérica. Já o Pseudobom homem, desenxabido como um cão acoitado voltou ao altar das relíquias de madeira e devolveu uma nota. Depois, com muita relutância, devolveu também a segunda. Mas na terceira, não resistiu à tentação, enfiou-a num dos bolsos da algibeira e saiu andando de lado para não cruzar com Santo Antônio de novo. Com aquele dinheiro roubado, foi investir em negócios.
Um segundo senhor, por ali passou logo em seguida. Homem pobre, desempregado, com muitas crianças para sustentar e a mulher enferma. Precisava urgentemente de dinheiro para comprar remédio e salvar a vida de sua consorte. Esse miserável cidadão introduziu-se, pois naquela igreja, para orar a Deus e pedir ajuda. Quando viu as duas notas que restaram, aos pés dos santos de pau oco, não teve dúvidas: Num ato de desespero e com um medo tremulento nas veias, furtou uma das notas e evadiu-se como um furacão, tropeçando nos bancos da igreja, num cai e levanta hilariante.
Por fim, um fazendeiro muito rico, porém de hábitos inescrupulosos, desses que mantém jagunços em sua propriedade e que é tido como mandante de muitos crimes, adentra ao interior daquela igreja singela, para pedir proteção em suas falcatruas. O dito cujo latifundiário, tinha o perverso costume de praticar negociatas e rolos ardilosos, roubar e enganar seus próprios empregados e até bulir com as mulheres alheias.
Esse nosso irmão perdido nos descaminhos enganosos do mal, trilhava dentro do seu livre arbítrio, uma vereda pedregosa e infeliz. À vista disso, em mais uma de suas atitudes insanas, roubou a derradeira nota que sobrou naquela mesa de veneração. Com ela foi beber cachaça no meretrício da cidade, aonde proliferam aquelas pobres mulheres abandonadas ao desfrute por uma pseudo-sociedade mesquinha e insensível.
Podemos dizer que o furto foi o mesmo para os três, todavia, cada um deles tinha motivo diferente para fazê-lo. Contudo, somos responsáveis por nossos próprios atos, colhendo amanhã, a semeadura de hoje.
* * *
O primeiro amigo do alheio investiu o dinheiro roubado em bons negócios. Ele que sempre foi cidadão idôneo, agora na riqueza absoluta, tornou-se ainda mais respeitado e admirado pela população. Seus bons negócios geraram inúmeros empregos e trouxeram fartura para a cidade. Seus empregados sempre foram tratados com justiça e humanidade. Ainda que praticasse a filantropia, sua riqueza multiplicava-se a olhos vistos. Nem mesmo o acidente com uma máquina, que lhe decepou a mão direita numa de suas indústrias, fora capaz de lhe mudar os ideais de trabalho e enriquecimento.
O segundo homem usou o dinheiro roubado para comprar remédios para a esposa. Ela, a esposa enferma, felizmente foi salva e, juntos, tiveram mais alguns filhos. Continuaram sofrendo as dificuldades da pobreza, muito embora com um pouco de esforço, ele tenha conseguido economizar o suficiente para devolver aos pés de um daqueles Santos de Pau Oco, não obstante a estratosférica inflação ao longo dos anos fatais, a mesma quantia outrora roubada, porém, já em notas de cruzeiros da segunda estampa.
Já o último ladro, o fazendeiro sem caráter; quando visitou o bordel e encheu a cara de cachaça, arrastado pelas mulheres prostitutas adentrou também em uma seqüência de penosas provações, aonde o vício no álcool, e suas más inclinações, o fizeram provar as piores desventuras de sua vida. Uma série de maus negócios, enfermidades e outras calamidades mais, levou o pobre fazendeiro a ser enganado, trapaceado e ao longo de dez anos, perdeu toda sua fortuna e adquiriu enfermidades horríveis.
Abandonado na mais terrível situação a que um ser humano pode chegar, ele, num dos momentos mais amargos de sua vida, encontrou as glórias do arrependimento. Contrito, ele confessou de livre e espontânea vontade, todos os seus crimes, o que lhe rendeu uma penosa condenação de vinte anos de cadeia. Quando saiu, ainda que com a saúde totalmente debilitada, ele estava recuperado. Tanto que dedicou seus últimos dias a visitar os pobres e enfermos.
Entre um acontecido e outro, vamos encontrar uma figura humana assaz pitoresca, infiltrando-se sorrateiramente nessa história. Trata-se do senhor Manoel dos Santos Anjos, que chegou a Itaguajé, cidade singela, no mesmo dia da doação das três notas de 200$000 réis. Esse cidadão, cuja persistência tresloucada por dinheiro antigo, lhe premiou com o sugestivo alcunho de “Neco Bagatela”, era, portanto, um colecionador obcecado, sobretudo por cédulas do padrão mil réis e suas variações, pois tendo em vista o novo padrão monetário, o cruzeiro, as referidas peças de réis, com o passar dos anos advindos, por certo se tornariam raras e valiosas.
O senhor dos Santos Anjos, logo que soube da tal doação feita, correu à matriz para ver as cédulas. Tendo chegado instantes antes do início dos furtos, ele ainda teve tempo de ver as notas e, obviamente, ficou fascinado. Ainda que em circulação, eram peças difíceis de serem encontradas. Rapidamente foi procurar o vigário para lhe pedir ajuda. Pretendia trocar os 600$000 réis por 600,00 cruzeiros.
Na sacristia só encontrou o sacristão. Juntos foram à casa paroquial à procura do pároco local. Este tinha saído para dar a extrema unção à um moribundo, nos arrabaldes da cidade. Enquanto isso eles ficaram esperando o retorno do homem da batina preta. Pois foi nos ínterins desses desencontros, que tais peças foram surrupiadas sem deixar pistas.
Diante do desaparecimento das cédulas, a maior decepção do pertinaz Bagatela, não foi tanto por ter perdido as notas, mas por não ter anotado o número de série das peças. Isso iria lhe consumir por anos a fio, como o mais cruel e decepcionante erro de sua vivência.
Sabendo que as unidades de papel moeda de 200$000 réis com rosácea, tinham duas possibilidades: Série e números juntos ou série e números separados, Neco Bagatela, com sua teimosia obstinada e doentia, ao longo de décadas, fez de um tudo para descobrir a numeração das notas. Importunou amiúde, “Raimundo e todo mundo”, inclusive o policiamento local. Tentou a possibilidade de um estudo ou pesquisa para se descobrir o número de série das referidas peças, junto aos registros do Banco do Brasil, Tesouro Nacional e até mesmo a então extinta Caixa de Estabilização. Não obstante sua insistência mórbida, tudo que conseguiu foram zombarias e deboches, para seu próprio desespero. Pobre coitado, debalde tentou. Afinal, quem se importaria com tamanha futilidade já perdida no esquecimento dos anos decorridos.
* * *
Futuro adentro, já com todos os participantes desta odisséia falecidos, vamos encontrar, lá no além, a figura original e engenhosa do senhor Neco Bagatela. Ele que, mesmo tendo abotoado o paletó e fixado sua residência lá pras bandas do além túmulo, não abdicou de seu faro singular e débil por assuntos relacionados à numismática. Dizem as más línguas, (no além também tem fuxico), que o afamado Bagatelense, infernizou a vida de muita alma inocente, com suas predileções colecionistas. Continuava também, com a nociva idéia de descobrir o número de série das peças roubadas. Com efeito, suas tendências de colecionador inveterado e abelhudo, mesmo do l